domingo, 15 de fevereiro de 2015

50 TONS DE CLICHÊS : reflexões sobre o enredo pseudo-erótico


Não tive (interesse, paciência, desejo, tempo, qualquer desculpa, etc) de ler o livro '50 tons de cinza' mas não pude resistir a curiosidade de conferir nos cinemas sobre o que se tratava o enredo que fascinou milhões e milhões de mulheres no mundo (que compraram o livro como se fosse água ardente).
O que encontrei? Talvez um dos maiores clichês imagináveis sobre sexualidade e relacionamento humano.
Um homem; rico, poderoso, jovem, bonito, com mania de controle, possessivo, e sádico. Segundo ele, um dominador. Uma mulher; não rica, jovem, bonita, virgem, com relativa abertura para ser controlada e submissa.
Em pleno século 21, quase meio século depois da Revolução sexual, da chamada “independência da mulher”, observamos uma estória como '50 tons de... clichês’ causar tanto alvoroço entre as próprias mulheres que, juntos com os homens, enfrentam as árduas batalhas da vida – em casa ( na divisão das tarefas e contas), no trabalho, nas festas,  e nos quase infinitos afazeres do nosso mundo globalizado.
Fico aqui pensando... E a sexualidade, que é o que cada um tem de mais próprio e singular, como se relaciona com essas tantas mudanças que enfrentamos nas relações entre homens e mulheres ?
O que o sucesso de '50 tons’ parece apontar é que, apesar de vivermos transformações fundamentais na relação entre os sexos, algumas questões ainda permanecem muito vivas no desejo que circula entre eles.
O homem poderoso e sexual, a mulher vulnerável e apaixonada. Ele sente prazer em causar dor nela, ela sente prazer com a dor que ele lhe causa. A clássica dupla dinâmica sado – masoquista.
Um contrato onde ele propõe todas as regras da relação e ela pode escolher entre assinar ou não. Em troca: luxo e comodidades sem fim.  
O sucesso de '50 tons' me faz pensar que cinza mesmo está a vida erótica de muita gente. Não digo isto em termos de quanto sexo as pessoas estão fazendo, de quantos corpos estão consumindo. Pode-se fazer muito sexo, até mesmo compulsivamente,  e ter uma vida erótica (digo fantasística, imaginativa, criativa) muito podre. Muitas pessoas com uma vida erótica cinza e não colorida, digamos assim.  
Sigmund Freud, considerado um machista por muitos (apesar de ter fundado a Psicanálise a partir das mulheres e para dar voz e ouvido a elas), escreveu textos que me parecem importantes para pensar sobre a temática . ‘Bate-se numa criança’(1919) e  ‘O problema econômico do masoquismo’(1924), para citar alguns.  Sim, Freud afirma que o masoquismo é feminino, mas para ilustrar o masoquismo, aborda casos de pacientes homens. Porque para Freud, ser feminino é uma qualidade que pode ser encontrada tanto em homens quanto em mulheres. Ser objeto,  passivo, é sinônimo de ser feminino. Ser ativo,  sujeito, quer dizer ser masculino.  
Acontece que o filme ’50 tons’ apresenta o clichê da mulher feminina e dominada  e do homem masculino e dominador, sem nenhum tom de criatividade. Me parece que quanto menos criatividade temos, mais necessidade sentimos de nos agarrarmos a modelos e padrões pré- estabelecidos. A clichês. 
Na minha singela opinião, quem teve a oportunidade de ver o excelente trabalho de Lars Von Trier em Ninfomaniáca deve ter dormido de tédio ao longo dos jogos sexuais supostamente fetichistas e pouco eletrizantes propostos pelo protagonista Christian Sei lá Quem.

Pois  é... Arte e produto de massa podem às vezes se encontrar. Mas, muitas vezes, e quem sabe na maior parte delas, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
A arte aponta para  o novo, abre o sujeito para novas possibilidades de pensar e viver o mundo. E o produto de massa, o que propõe? O consumo compulsivo  e com 50 tons de cinza do mesmo, arrisco dizer.


A Arte de Lars Von Tier