terça-feira, 12 de agosto de 2014

NUNCA FOMOS TÃO RELIGIOSOS: O milagre das pílulas


Está circulando a notícia de que o consumo da Ritalina cresceu 775% em 10 anos.

É verdade que os seres humanos sempre foram adeptos ao uso de drogas. Historicamente, o uso de substâncias psicoativas foi associado a diversas situações.  Com fundamento ritualístico/espiritual, como forma de amenizar o sofrimento, para atingir outros estados de percepção e experiência, para potencializar determinadas características e reprimir outras.
Na moral civilizada, o uso de drogas é um assunto polêmico. Por alterarem os estados da mente, as drogas devem ser administradas com absoluto controle. O seu poder deve ser vigiado. 
O álcool, o tabaco, desfilam pelos discursos da ciência como inimigos do bem-estar e da saúde. Hoje, quase todos sabem dos seus malefícios mas ainda assim, muitos (para não dizer quase todos) fazem uso rotineiro de alguma delas.  Indústrias de cigarro se desenvolvem ao lado de indústrias que oferecem a cura do tabagismo. O alcoolismo é um dos maiores problemas da saúde pública, e ainda assim, quem não curte um happy hour depois do trabalho?
As drogas ilegais, a maconha, a cocaína, o crack,  são usadas por grande parcela da população, na surdina. A maconha, por trazer efeitos que são contraditórios a lógica produtiva capitalista, é coisa de “vagabundo”. A cocaína, porque deixa a pessoa elétrica e maníaca, é associada aos ricos e famosos que produzem mas querem enlouquecer, e sabem como. E assim caminham os estereótipos. Mas, na realidade, tem muito "vagabundo" cheirando pó e muita gente rica fumando maconha. Esses clichês sobre o uso de droga são uma grande furada.
A questão que parece se colocar é, justamente, a função que as drogas podem exercer na vida de uma pessoa. Por que ela se droga (com droga legal ou ilegal)? Para fugir das frustrações da realidade, para produzir, para delirar, para gozar? Cada caso é um caso. 
As drogas psicotrópicas legais, como a ritalina, são admitidas e proliferadas pelo status quo, que no intuito de "eliminar o sofrimento e o mal estar da experiência humana", oferece fórmulas idênticas a sujeitos diversos.
Está triste? Terminou com o namorado? Dificuldades no trabalho?
Tome uma ritalina. Tome um antidepressivo. Tome um ansiolítico.
Por que você está se sentindo assim? Isso não interessa, desde que isso passe logo, e você possa voltar a produzir e consumir.
É comum ouvir as pessoas dizerem que não querem se submeter a um tratamento psíquico que seja prolongado. “Quero algo rápido.” Como se quisessem dizer: “Quero um milagre!” 
Existem discursos terapêuticos que prometem soluções rápidas. “5 sessões e você estará bem” Modelos prontos que tratam a subjetividade humana como produção em massa. 
Quanto tempo você demorou para se tornar isso que é hoje? O tempo de uma vida.
Acreditar que se muda uma vida com uma pílula ou com poucas sessões de tratamento é acreditar em milagres, e dos brabos. Jesus caminhando sobre as águas é metáfora poética.
Eu mesma fui diagnosticada com TDAH e uma psiquiatra, pessoa de quem gosto muito, por sinal, queria me receitar ritalina. Eu tinha uns 15 anos. Algo em mim me disse que eu não era nada disso, que eu sentia muito e pensava muito, sim, mas que eu  não queria tratar isso como doença. Isso era o meu jeito, o meu estilo, a minha dor e a minha delícia.  
Conheço muita gente que se medica para calar o mal estar, e eu não julgo. Cada um faz uso dos recursos que quer, e pode. Agora, algo precisa ficar claro. Droga, seja ilegal ou legal, não resolve conflito, mas altera a percepção.
Não prego por uma sociedade limpa, moralista, não acredito em céu na terra. As drogas sempre foram usadas e provavelmente sempre serão.
Mas que estejamos cientes de nosso inconsciente.
Com nossas sociedades legal e ilegalmente drogadas estamos mais religiosos do que nunca.
Científicos? Que nada. Religiosos!
Acreditamos em milagres.

AMÉM.