sexta-feira, 4 de abril de 2014

ROLEZINHO DE ARMANI



Na entrada da biblioteca da PUC um cartaz me chamou atenção. Dizia:  A etnografia do rolezinho - consumo, marcas e periferia. Abaixo, a foto bem produzida de uma mulher bonita, jovem e sorridente. Achei curioso. Ao lado, as informações: Rosana Pinheiro Machado, professora de antropologia do desenvolvimento da Universidade de Oxford.  Pelo tema contemporâneo e pela palestrante, fiquei instigada em ir conferir. E lá fui eu.
A partir da fala da Rosana, vou comentar algumas coisas que aprendi sobre o tema...
Ela começa falando da importância de integrar a academia com a sociedade/a mídia/os estudantes/etc. Concordo. Um discurso teórico centrado em si próprio, fechado em si mesmo, apenas compreensível para os especialistas da área, contribui de forma muito limitada para o desenvolvimento da cultura e da civilização. Limita, e muito, o seu uso prático pelas diferentes realidades. Segregando o saber, segrega-se o poder, as classes, os gêneros, as raças e tudo mais.  O saber precisa ser acessível!
A cientista aponta que o fenômeno do rolezinho trouxe a tona de maneira paradigmática uma marca da sociedade brasileira: a segregação. Ricos e pobres não se misturam. Brancos e negros não andam juntos. “O rolezinho deixa claro o apartheid brasileiro.” Afirma.
Rolezinho é política?  Em um alargamento do conceito de política, sim, é. “Nós só queremos nos divertir.” Dizem eles.  Mas apenas “se divertir” se torna um ato político se milhares de jovens vão juntos para um shopping e são reprimidos pela segurança do local. Se isso vira notícia. Se isso quebra o fluxo da normalidade. Se isso diz alguma coisa para além do que acha que está dizendo. “Nós só queremos nos divertir.” Será mesmo?
Os rolezinhos fazem parte de um fenômeno maior que se chama ‘bondes’. Bondes são gangues juvenis formadas por jovens de camadas sociais desfavorecidas. De dia, rolezinhos, de noite, bailes funks. Nos rolezinhos, os meninos vão na frente, vestidos com marcas de luxo, e as meninas vão atrás. Para elas, não é tão importante o uso de marcas. “Quanto mais marca, mais mina.” Dizem eles. “As mina tem peito e bunda, a gente só tem marca.” Outra pérola. Rosana observa que, nesse movimento, as mulheres são também tratadas como mercadoria.
Rosana introduz que Marx já falava sobre o fetiche da mercadoria. Nas sociedades capitalistas, os produtos possuem “magia”. A mais valia das marcas,  nesse contexto, é infinita. O marketing do amor.  Marqueteiros estudam meios de fazer com que os consumidores se apaixonem, e realmente amem, o produto consumível. Na era pós-moderna, onde os valores tradicionais se descontroem, as marcas adquirem um valor religioso.  Fala, ainda, que antropólogos que estudam o tema e pesquisam junto a CEOs de multinacionais, revelam que o objetivo é que o sujeito se apaixone pelo símbolo, pela marca, e que o produto em sí tenha cada vez menos valor.
O depoimento de uma entrevistada surpreende: “Tenho 12 filhos e não posso dar educação, carro, casa para todos. Dou roupas caras, é o melhor que posso oferecer.”
De fato, quem estuda a pobreza, sabe que ninguém se acha pobre. Comenta. A riqueza é relacional. É relativa. É reativa. A maior parte dos produtos de marca ostentados pelos jovens do rolezinho não são roubados por eles.  Eles guardam tudo o que podem para poder ter um símbolo da nike. Eles compram de quem rouba.
As marcas de luxo entram em desespero. Pessoas pobres e negras usando os produtos especialmente desenhados e moldados aos gostos dos ricos e brancos. Isso desvaloriza o produto, a imagem, o conceito. A Armani,  foi a única marca de luxo que abusou do fenômeno de forma inteligente. Desenvolveu uma coleção especial para o rolezinho. Assim, não desvaloriza as outras coleções – destinada aos ricos e poderosos -  e ao mesmo tempo, não faz pouco caso a paixão por marcas luxuosas da classe C brasileira.
Nos outlets de Miami, todos os dias, brasileiros fazem rolezinhos em buscas de objetos de marcas de luxo em promoção. As vendedoras comentam: “esses brasileiros são uns desesperados”. Desses rolezinhos ninguém fala nada.
Os rolezinhos são uma tentativa de inserção social, das camadas excluídas,  através do consumo. Em uma realidade de violência estrutural, onde há a negação das necessidades mais elementares para um desenvolvimento digno, parece  ser uma opção possível, e também, bizarra. 
Enquanto não lhe forem oferecidas outras formas de riqueza, como a riqueza simbólica via uma educação de qualidade, por exemplo, os produtos de marcas de luxo, oferecidos em verdadeiros bombardeios pelas mídias como símbolos de poder e realização, serão alvos do desejo.



Abaixo, o site da palestrante, que por sinal, é premiadíssima. Vale a pena conferir!
http://www.rosanapinheiromachado.com.br

3 comentários:

  1. Muito bom.
    Estes novos fenômenos resgatam mais do que uma forma objetiva do fazer politico tradicional. Inconscientes, latentes, "alienados" (pois subordinam-se a exploração da mais valia e do fetiche da mercadoria), acabam expondo as contradições estruturais do capitalismo, segregacionista por natureza. Mas tb demostram a incrivel perspicácia e sagacidade do capital, ou seja, transformar em mercadoria elementos de sua própria negação (caso da Armani).
    * Será que essa antropóloga não dos Pinheiro Machado do RS, muito tradicionais, cujo foi muito famoso um senador da república da era café com leite. Ele foi asassinado no Rio, vestia-se com roupas estravagantes e há comentários de que era gay...

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  2. uma injeção de cultura correta no sujeito examinado.Os rolézinhos são um escracho bárbaro. São uns Hunos os caras. Que tal analisá-los como fenômeno e não como defeito do sistema?

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  3. Eu quis dizer, e o comentário foi cortado: vc dá a solução de uma injeção de cultura correta no sujeito problema, os caras do rolézinho. Mas será que eles são um problema? Não seriam uma das soluções possíveis?

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